Os ensinos de jesus versus os ensinos de Paulo!

18/11/2024

INTRODUÇÃO

Quando mergulho no estudo dos ensinamentos de Jesus e de Paulo, sou imediatamente levado a refletir sobre as nuances e divergências que moldaram o cristianismo. É impossível ignorar o impacto que ambos tiveram na formação da fé cristã e, ao mesmo tempo, as questões que surgem ao analisarmos as diferenças em suas mensagens. Esta exploração levanta uma pergunta central: o cristianismo moderno reflete mais o Jesus dos Evangelhos ou o Paulo das epístolas?

Alguns autores ateus, como Christopher Hitchens, já apontaram que "o cristianismo é, de fato, uma religião de Paulo, e não de Jesus". Ele argumentava que, enquanto Jesus falava de amor, moralidade e o Reino de Deus, Paulo construiu uma teologia que girava em torno da fé e da redenção pela crucificação e ressurreição. Richard Dawkins também questionou essa evolução, observando que "a mensagem de Jesus foi, em muitos aspectos, revolucionária e humanista, mas a mensagem de Paulo parecia mais interessada em moldar dogmas e fortalecer a estrutura institucional da igreja".

Com esses pensamentos em mente, decidi escrever este artigo para explorar se os ensinamentos de Jesus e de Paulo caminham juntos em harmonia ou se há uma dissonância que revela uma transformação profunda e, talvez, um afastamento do que Jesus originalmente ensinou. Vamos examinar essa questão sob uma ótica que busca evidências, pondera sobre contextos históricos e traz à tona os questionamentos que muitos estudiosos – e ateus – levantam sobre a essência do cristianismo.

Os Ensinamentos de Jesus

Ao explorar os ensinamentos de Jesus, eu me deparo com uma mensagem que, em muitos aspectos, ressoa como uma das mais sublimes no campo ético e moral. Jesus dos Evangelhos é retratado como um mestre que promove amor, perdão e justiça social, conceitos que desafiaram os valores da sociedade de sua época. Suas palavras no Sermão da Montanha (Mateus 5-7) são frequentemente citadas como uma expressão máxima da moralidade: "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia". Essa ênfase em compaixão e perdão é algo que, mesmo de uma perspectiva ateísta, posso reconhecer como um avanço em termos de ética humana.

No entanto, ao considerar esses ensinamentos, lembro-me do comentário de Sam Harris, que, em The End of Faith, refletiu que os ensinamentos de Jesus, apesar de serem progressistas em muitos aspectos, podem ser vistos como impraticáveis e inconsistentes quando analisados sob a lente da realidade humana. Harris questiona se a extrema ênfase em virtudes como não-resistência ao mal e o amor incondicional pelos inimigos não se tornam, de certa forma, uma barreira para uma vida prática e racional. E, de fato, quando Jesus diz para "dar a outra face" (Mateus 5:39), surge a dúvida: até que ponto isso é aplicável na sociedade moderna e, mais importante, se essa era mesmo a intenção final de seus ensinamentos.

Adicionalmente, pensadores ateus como Bertrand Russell em Why I Am Not a Christian ponderaram que, embora Jesus tenha apresentado uma filosofia de amor e paz, há momentos em que sua abordagem se mostrou severa. Por exemplo, as passagens que mencionam a condenação dos que não o seguem (Mateus 10:34-36) revelam um lado que contrasta com a imagem do pregador pacífico e inclusivo. Isso traz à tona a complexidade de entender Jesus apenas como um profeta do amor.

Ao observar a essência dos ensinamentos de Jesus, sinto que é fundamental considerar tanto o lado positivo, que inspira valores de humanidade, quanto as passagens que suscitam debate e críticas, especialmente na análise secular. É um equilíbrio entre admirar as ideias revolucionárias que pregou e reconhecer as limitações e possíveis contradições que surgem ao examinar suas palavras em um contexto mais amplo. 

Os Ensinamentos de Paulo

Quando passo a analisar os ensinamentos de Paulo, a transformação do cristianismo se torna evidente. Paulo de Tarso, autor de muitas das epístolas do Novo Testamento, é frequentemente considerado a verdadeira força motriz por trás da disseminação do cristianismo como religião. A sua visão teológica, mais do que a de Jesus, ajudou a definir os alicerces doutrinários da fé cristã que conhecemos hoje. É fascinante e, ao mesmo tempo, intrigante perceber como Paulo tomou as mensagens de Jesus e as reinterpretou, muitas vezes de uma forma que levanta questionamentos sobre fidelidade ao espírito original.

Paulo pregou sobre a salvação pela fé e a graça de Deus de uma forma que parece contrastar com a ênfase de Jesus nas obras e na conduta moral. Quando leio passagens como Romanos 3:28 – "concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei" – é impossível não pensar na aparente desconexão com o que Jesus mencionou em Mateus 7:21: "Nem todo aquele que me diz: 'Senhor, Senhor', entrará no Reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus." Há uma dualidade entre a teologia de Paulo, que parece se distanciar da obediência estrita às obras, e a mensagem de Jesus, que sublinhava a importância da prática ativa de boas ações.

Autores ateus também têm observado essa dicotomia com interesse crítico. Christopher Hitchens, por exemplo, afirmou que "Paulo é o verdadeiro arquiteto do cristianismo, um engenheiro que pegou a simplicidade da mensagem de Jesus e a transformou em um edifício complexo de teologia e doutrina". Segundo ele, Paulo criou uma estrutura religiosa que atendia às necessidades da época, mas que se desviava da simplicidade original dos ensinamentos de Jesus. Essa observação me faz refletir sobre como a mensagem de Jesus foi adaptada, ou até distorcida, para ganhar uma base mais ampla e apelar a um público diverso, especialmente aos gentios.

Richard Dawkins, em The God Delusion, pontuou que Paulo era um estrategista cuja visão de religião envolvia não apenas a fé, mas a construção de uma igreja que pudesse sobreviver e se expandir. Isso levanta a questão de até que ponto a fé pregada por Paulo foi projetada para ser um sistema unificador e controlável, em vez de uma expressão genuína da espiritualidade que Jesus defendia.

Refletindo sobre isso, percebo que os ensinamentos de Paulo trazem à tona uma dualidade na essência do cristianismo: a fé pura versus a instituição. E me pergunto até que ponto essa discrepância impactou a autenticidade da religião, abrindo caminho para questionamentos e críticas, não apenas dos ateus, mas de qualquer um que busque entender as raízes do cristianismo de maneira honesta e profunda.

Comparação Direta entre Jesus e Paulo

Ao comparar diretamente os ensinamentos de Jesus e Paulo, vejo como o cristianismo se desenvolveu em duas direções que nem sempre parecem convergir. De um lado, Jesus, com seu foco no Reino de Deus e no comportamento ético, e, de outro, Paulo, que construiu uma teologia baseada na fé e na redenção. Essa comparação revela um ponto de tensão que muitos, inclusive ateus, exploraram ao longo dos anos.

A primeira diferença que noto é a ênfase que Jesus dava às obras e à moral prática. Ele pregava o amor ao próximo, a compaixão e a justiça, sempre sublinhando que fazer a vontade de Deus era crucial. No entanto, Paulo parece desviar essa centralidade para a fé como caminho para a salvação. Em passagens como Gálatas 2:16 – "sabemos que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo" – há um contraste marcante com os ensinamentos de Jesus, que frequentemente destacava ações concretas como evidência de fé genuína.

A questão da Lei também é uma diferença significativa. Enquanto Jesus afirmou: "Não pensem que vim abolir a Lei ou os Profetas; não vim para abolir, mas para cumprir" (Mateus 5:17), Paulo apresenta uma visão mais libertadora em relação à lei judaica, como em Romanos 7:6, onde diz: "Agora, porém, estamos livres da lei, pois morremos para aquilo a que estávamos sujeitos." Essa dicotomia sugere uma divergência sobre como ambos viam a continuidade da tradição judaica dentro do novo movimento cristão.

Muitos autores ateus têm opiniões fortes sobre essa dissonância. Bart D. Ehrman, em suas obras, aponta que a transformação do cristianismo de um movimento baseado em ensinamentos éticos e comunitários para uma teologia centrada em crenças e dogmas pode ser atribuída a Paulo. Isso me leva a refletir se o apóstolo dos gentios reconfigurou a mensagem de Jesus para atender aos contextos socioculturais e religiosos da época, criando algo que pudesse se propagar mais facilmente entre não-judeus.

Christopher Hitchens observou que "Paulo tomou a mensagem de um profeta apocalíptico e a adaptou para ser a fundação de uma religião universal". Essa adaptação, para Hitchens, é vista como um afastamento da autenticidade, transformando a simplicidade dos ensinamentos de Jesus em algo mais complicado e institucionalizado. É uma perspectiva que, de certa forma, ressalta como a mensagem original pode ter sido distorcida ou exagerada em prol da expansão e da manutenção do controle religioso.

Ao considerar tudo isso, questiono-me sobre o verdadeiro impacto de Paulo: ele foi um visionário que garantiu a sobrevivência do cristianismo ou um reformulador que desviou a essência da mensagem de Jesus? Esta comparação, repleta de nuances e implicações, reforça a complexidade da fé cristã e explica por que tantas críticas e questionamentos surgem em relação à coesão dos ensinamentos fundamentais que moldaram a religião.

O Impacto das Diferenças nos Dias Atuais

À medida que examino como os ensinamentos de Jesus e Paulo moldaram o cristianismo moderno, percebo que as divergências entre suas mensagens ressoam até hoje, criando diferentes vertentes e interpretações dentro da própria religião. Essa dualidade entre a ética prática de Jesus e a teologia sistematizada de Paulo é fundamental para compreender a diversidade de pensamentos e práticas no cristianismo contemporâneo.

A influência de Paulo, com sua ênfase na salvação pela fé e na teologia do pecado e redenção, é evidente nas igrejas evangélicas e em muitas doutrinas protestantes. Essas tradições costumam destacar a crucificação e a ressurreição como o centro da fé, frequentemente colocando a moralidade e as ações em um segundo plano, em comparação com a crença na graça. Já a mensagem de Jesus, com seu apelo por uma ética de amor e justiça, encontra eco em movimentos mais progressistas e em cristãos que buscam uma fé voltada para a transformação social e a justiça.

Ao refletir sobre essa dualidade, lembro-me das palavras de Richard Dawkins, que em The God Delusion questiona como a interpretação de Paulo permitiu que a mensagem de Jesus fosse diluída em doutrinas que enfatizam mais a fé e menos as ações concretas. Dawkins sugere que Paulo transformou a religião em um sistema que, muitas vezes, minimiza a responsabilidade ética em prol da fé abstrata. Esse pensamento me leva a considerar que, em parte, a diferença de foco pode explicar a coexistência de igrejas que pregam uma fé "individualista", voltada para a salvação pessoal, ao lado de comunidades que priorizam o engajamento social e a ajuda mútua.

Christopher Hitchens também abordou essa questão ao mencionar que a mensagem de Paulo pode ter sido o que tornou o cristianismo atrativo para um público mais amplo, mas ao custo de distanciar-se da simplicidade e do radicalismo moral de Jesus. Isso se reflete em como diferentes tradições cristãs colocam ênfases distintas em suas práticas e sermões. Enquanto algumas igrejas promovem uma espiritualidade focada na fé e na promessa de vida eterna, outras buscam emular a vida de Jesus por meio de ações e obras, um reflexo de como a religião foi fragmentada por diferentes interpretações.

Essa dissociação entre fé e prática levanta questões fundamentais sobre a relevância e autenticidade do cristianismo nos dias de hoje. Até que ponto a mensagem de Jesus está sendo realmente seguida, ou se Paulo, com suas adaptações e formulações teológicas, é quem moldou o cristianismo como ele é hoje? Pergunto-me se essas diferenças são uma riqueza que permite diversas expressões de fé ou se são uma fonte de contradições que enfraquecem a mensagem original.

Essa análise me faz ver que a tensão entre os ensinamentos de Jesus e Paulo não é apenas um debate teológico do passado, mas uma questão viva que continua a influenciar o pensamento religioso e as críticas ateístas à fé cristã. E, ao final, concluo que a busca pela compreensão dessas diferenças é essencial para qualquer um que deseje entender o cristianismo em sua totalidade – tanto seus adeptos quanto seus críticos.

Conclusão: O Legado dos Ensinos de Jesus e Paulo

Ao concluir esta análise, não consigo deixar de pensar em como os ensinamentos de Jesus e Paulo moldaram não só a teologia cristã, mas também as diferentes maneiras pelas quais as pessoas vivem e praticam essa fé. Enquanto Jesus, em suas palavras e ações, enfatizava uma ética de compaixão, justiça e amor ao próximo, Paulo contribuiu com um arcabouço teológico que priorizava a fé como meio de salvação. Essas duas abordagens, embora conectadas pelo cristianismo, criaram uma tensão que reverbera até hoje em práticas e doutrinas.

A reflexão sobre essa dicotomia me leva a concordar, em parte, com pensadores como Friedrich Nietzsche, que enxergavam em Paulo a figura que desvirtuou a essência original do cristianismo. Nietzsche afirmou em O Anticristo que "Paulo foi o grande falsificador de Jesus; ele transformou a mensagem de um mestre humilde em um culto institucional". Essa ideia ressoa com as observações que fiz, onde a espiritualidade prática e comunitária de Jesus parece ter dado lugar a um sistema mais rígido e centrado na doutrina.

Outro pensador, Sam Harris, em Letter to a Christian Nation, questiona como os ensinamentos de amor e misericórdia de Jesus podem ser reconciliados com a teologia paulina, que frequentemente enfatiza a exclusividade e a salvação pela fé, deixando as ações em segundo plano. Essa observação é um lembrete de que a divergência entre obras e fé continua a ser uma fonte de debate não apenas dentro do cristianismo, mas também entre aqueles que o observam criticamente de fora.

Eu me pergunto: como seria o cristianismo hoje se tivesse permanecido mais fiel aos ensinamentos de Jesus, sem a reinterpretação teológica de Paulo? Talvez ele fosse uma religião mais focada na ética prática, uma religião que priorizasse menos os rituais e doutrinas, e mais as ações e a transformação social. Ou, quem sabe, sem Paulo, o cristianismo nunca teria se espalhado e consolidado como uma das maiores religiões do mundo.

Esses pensamentos me levam a uma conclusão pessoal: a coexistência e o conflito entre os ensinamentos de Jesus e Paulo explicam não apenas as diferentes faces do cristianismo moderno, mas também o motivo pelo qual a religião continua a ser um objeto de fascínio e crítica, tanto de crentes quanto de ateus. O legado deixado por ambos continua vivo, e a tensão entre a ética de Jesus e a teologia de Paulo é um reflexo da complexidade da fé e das instituições que dela derivaram.

Referências Utilizadas:

  • Hitchens, Christopher. God Is Not Great: How Religion Poisons Everything. Twelve, 2007.
  • Dawkins, Richard. The God Delusion. Bantam Books, 2006.
  • Russell, Bertrand. Why I Am Not a Christian. Simon and Schuster, 1957.
  • Nietzsche, Friedrich. O Anticristo. Penguin Classics, 2005.
  • Harris, Sam. Letter to a Christian Nation. Knopf, 2006.