
A FARSA DO DÍZIMO PARA OS DIAS DE HOJE
I. ORIGEM E CONTEXTO BÍBLICO DO DÍZIMO
A. Dízimo no Antigo Testamento
1. Referências Bíblicas
- Levítico 27:30-32: "Também todas as dízimas da terra, tanto do grão do campo como do fruto das árvores, são do Senhor; santas são ao Senhor. Se alguém quiser remir alguma das suas dízimas, acrescentará a sua quinta parte sobre ela. No tocante a todas as dízimas do gado e do rebanho, de tudo o que passar debaixo da vara do pastor, o dízimo será santo ao Senhor."
- Números 18:21-24: "Eis que aos filhos de Levi tenho dado todos os dízimos em Israel por herança, pelo ministério que exercem, o ministério da tenda da congregação. Não se chegarão mais os filhos de Israel à tenda da congregação, para que não levem sobre si o pecado e morram. Mas os levitas exercerão o ministério da tenda da congregação e levarão sobre si a sua iniquidade; estatuto perpétuo será este entre as vossas gerações, e no meio dos filhos de Israel não terão herança. Porque os dízimos dos filhos de Israel, que oferecerem ao Senhor em oferta alçada, dei-os por herança aos levitas; porquanto eu lhes disse: No meio dos filhos de Israel não terão herança."
- Deuteronômio 14:22-29: "Certamente darás os dízimos de todo o fruto das tuas sementes, que ano após ano se recolherem do campo. E perante o Senhor teu Deus, no lugar que escolher para ali fazer habitar o seu nome, comerás os dízimos do teu grão, do teu mosto e do teu azeite, e os primogênitos das tuas vacas e das tuas ovelhas, para que aprendas a temer o Senhor teu Deus todos os dias."
2. Exegese
- Contexto Histórico e Cultural: No Antigo Testamento, o dízimo era uma prática comum entre os israelitas, destinada a sustentar a tribo de Levi, que não possuía herança de terras e era encarregada do serviço no templo. O dízimo também tinha uma função social, sendo utilizado para ajudar os necessitados e financiar as festas religiosas.
- Propósito do Dízimo: O dízimo era uma forma de reconhecer a soberania de Deus sobre todas as coisas e uma demonstração de obediência à Sua lei. Os dízimos eram considerados sagrados e eram uma expressão de gratidão e dependência de Deus.
- Aspecto Legal e Religioso: O dízimo fazia parte da lei mosaica, estabelecida por Deus para regular a vida religiosa e social de Israel. Não era uma prática voluntária, mas uma exigência legal para manter o funcionamento do templo e a adoração a Deus.
3. Aplicação Prática
- Compreensão do Contexto: É importante entender que o dízimo, no Antigo Testamento, estava inserido em um contexto teocrático, onde a religião e o estado eram integrados. Hoje, as circunstâncias são diferentes, e o dízimo não pode ser aplicado da mesma forma.
- Reflexão Sobre a Prática Atual: Muitos líderes religiosos utilizam os textos do Antigo Testamento para justificar a arrecadação de dízimos, sem considerar o contexto original e as diferenças entre a antiga aliança e a nova aliança em Cristo.
- Reavaliação da Contribuição: Os cristãos devem refletir sobre o propósito e a motivação de suas contribuições financeiras, assegurando que sejam feitas de forma voluntária, com gratidão e para o benefício da comunidade e das obras de Deus.
B. Dízimo no Novo Testamento
1. Referências Bíblicas
- Mateus 23:23: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que dais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho e desprezais o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé; deveis, porém, fazer estas coisas e não omitir aquelas."
- Hebreus 7:1-10: "Porque este Melquisedeque, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, que saiu ao encontro de Abraão quando ele regressava da matança dos reis e o abençoou, para quem também Abraão deu o dízimo de tudo, primeiramente se interpreta rei de justiça, e depois também é rei de Salém, ou seja, rei de paz; sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre. Considerai, pois, quão grande era este a quem até o patriarca Abraão deu o dízimo."
2. Exegese
- Crítica de Jesus aos Fariseus: Em Mateus 23:23, Jesus critica os fariseus por sua hipocrisia. Eles eram rigorosos na prática do dízimo, mas negligenciavam aspectos mais importantes da lei, como justiça, misericórdia e fé. Jesus não condena o dízimo, mas ressalta que a verdadeira obediência a Deus vai além de meras práticas externas.
- Sacerdócio de Melquisedeque: Em Hebreus 7, o autor explica que o sacerdócio de Melquisedeque, ao qual Abraão deu o dízimo, é superior ao sacerdócio levítico. Esta passagem enfatiza a eternidade e superioridade do sacerdócio de Cristo, sugerindo uma mudança na forma de adoração e contribuição sob a nova aliança.
- Nova Aliança em Cristo: O Novo Testamento introduz a nova aliança através de Jesus Cristo, onde a ênfase está na graça, na generosidade e na justiça, em vez de rituais e obrigações legais.
3. Aplicação Prática
- Prioridades Espirituais: Os cristãos são chamados a focar nas prioridades espirituais, como justiça, misericórdia e fé, em vez de práticas ritualísticas. A generosidade deve ser uma expressão da fé e do amor a Deus e ao próximo.
- Contribuição Voluntária: Sob a nova aliança, a contribuição financeira deve ser voluntária, alegre e proporcional às bênçãos recebidas, como ensinado por Paulo em 2 Coríntios 9:6-7. Não deve ser uma imposição legalista, mas um ato de adoração e gratidão.
- Contextualização do Dízimo: É essencial contextualizar a prática do dízimo à luz do Novo Testamento, reconhecendo que a igreja hoje não é um estado teocrático e que as contribuições devem refletir os princípios do Evangelho, promovendo justiça, misericórdia e apoio aos necessitados.
II. O DÍZIMO NAS IGREJAS CONTEMPORÂNEAS
A. Práticas Atuais e Teologia da Prosperidade
1. Análise Crítica
- Evolução das Práticas: Historicamente, a prática do dízimo evoluiu de uma lei específica para os israelitas no Antigo Testamento para uma prática comum em muitas igrejas cristãs contemporâneas. No entanto, essa transição não foi baseada em um mandamento claro do Novo Testamento, mas em tradições e interpretações teológicas.
- Teologia da Prosperidade: A teologia da prosperidade, também conhecida como "evangelho da prosperidade", é uma doutrina que ganhou popularidade nas últimas décadas. Ela ensina que a fé, acompanhada da doação financeira, resultará em bênçãos materiais e físicas. Esta abordagem distorce o propósito original do dízimo e coloca ênfase no ganho pessoal.
- Impacto nas Congregações: A teologia da prosperidade pode criar uma cultura de materialismo e desencorajar a verdadeira generosidade cristã. As congregações podem ser influenciadas a contribuir por motivos errados, buscando benefícios pessoais em vez de demonstrar amor e apoio à obra de Deus.
2. Ilustração
- Exemplos de Práticas Abusivas: Existem inúmeros exemplos de líderes religiosos que utilizam o dízimo para enriquecer pessoalmente. Igrejas que pedem repetidamente contribuições financeiras específicas, prometendo bênçãos materiais em troca, são um reflexo dessa distorção.
- Casos Notórios: Alguns televangelistas e pastores famosos têm sido criticados por viverem em luxo às custas das doações de seus seguidores. Essas práticas podem levar a um descrédito da fé e afastar as pessoas da verdadeira mensagem do Evangelho.
3. Aplicação Prática
- Reavaliar Motivações: Os cristãos são encorajados a reavaliar suas motivações ao dar dízimos e ofertas. A verdadeira generosidade deve ser baseada no amor a Deus e ao próximo, não na expectativa de retornos financeiros.
- Educação e Transparência: As igrejas devem promover a educação financeira e a transparência sobre o uso dos fundos arrecadados. Isso inclui fornecer relatórios financeiros claros e detalhados, mostrando como os recursos são utilizados para o benefício da comunidade e das missões.
- Foco no Serviço: A contribuição financeira deve ser vista como uma forma de servir a Deus e aos outros, apoiando ministérios, missões e assistência aos necessitados, em vez de enriquecer indivíduos ou instituições.
B. Manipulação e Coerção
1. Análise Crítica
- Táticas de Manipulação: Algumas igrejas utilizam táticas de manipulação para coagir os membros a contribuir financeiramente. Isso pode incluir pressões emocionais, promessas exageradas de bênçãos ou maldições para aqueles que não contribuem.
- Cultura do Medo: Infelizmente, em algumas congregações, uma cultura do medo é fomentada, onde os membros são levados a acreditar que sofrerão consequências negativas se não derem o dízimo. Isso contrasta com a mensagem de liberdade e graça encontrada no Novo Testamento.
- Consequências Espirituais e Emocionais: A coerção e manipulação financeira podem levar a danos espirituais e emocionais. Membros de igrejas podem sentir culpa, ansiedade e até afastamento da fé devido à pressão constante para contribuir financeiramente.
2. Ilustração
- Testemunhos de Fiéis: Há numerosos testemunhos de indivíduos que foram pressionados a dar mais do que podiam, muitas vezes resultando em dificuldades financeiras pessoais. Essas histórias destacam a necessidade de abordar a questão do dízimo com sensibilidade e integridade.
- Exemplos de Abuso: Casos de abuso financeiro nas igrejas frequentemente chegam à mídia, prejudicando a imagem do cristianismo e afastando potenciais crentes. Essas situações demonstram a urgência de reformas e maior responsabilidade nas práticas de arrecadação.
3. Aplicação Prática
- Promover a Contribuição Voluntária: A verdadeira contribuição cristã deve ser voluntária e feita com alegria, conforme Paulo ensina em 2 Coríntios 9:7: "Cada um contribua segundo tiver proposto no coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria."
- Criar um Ambiente de Generosidade: As igrejas devem criar um ambiente onde a generosidade seja incentivada, mas nunca forçada. Os líderes devem ensinar sobre a importância de dar, mas também respeitar a liberdade individual de cada membro.
- Transparência e Integridade: As igrejas devem ser transparentes em suas finanças e garantir que as contribuições sejam usadas de forma ética e responsável. Isso inclui prestar contas regularmente aos membros e garantir que os fundos sejam usados para beneficiar a comunidade e apoiar causas justas.
III. A CONTRIBUIÇÃO VOLUNTÁRIA E O ESPÍRITO DO NOVO TESTAMENTO
A. A Generosidade Cristã
1. Referências Bíblicas
- 2 Coríntios 9:6-7: "E digo isto: Que o que semeia pouco, pouco também ceifará; e o que semeia em abundância, em abundância também ceifará. Cada um contribua segundo tiver proposto no seu coração, não com tristeza ou por necessidade; porque Deus ama ao que dá com alegria."
- Atos 2:44-45: "Todos os que criam estavam juntos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, distribuindo o produto entre todos, à medida que alguém tinha necessidade."
2. Exegese
- 2 Coríntios 9:6-7: O apóstolo Paulo fala sobre o princípio da semeadura e colheita, incentivando os coríntios a darem generosamente, mas enfatiza que a contribuição deve ser voluntária e feita com alegria. Ele destaca que Deus ama um doador alegre, ressaltando a importância da disposição do coração ao contribuir.
- Atos 2:44-45: Descreve a prática da igreja primitiva, onde os crentes compartilhavam seus bens e recursos de forma voluntária para atender às necessidades uns dos outros. Essa comunhão e generosidade eram uma expressão do amor cristão e da unidade entre os crentes.
3. Aplicação Prática
- Generosidade como Fruto da Fé: A verdadeira generosidade deve ser um fruto natural da fé cristã, motivada pelo amor a Deus e ao próximo. Os cristãos são chamados a serem generosos em resposta à graça que receberam, não por obrigação.
- Contribuição Voluntária: As igrejas devem ensinar sobre a importância da contribuição financeira, mas sempre enfatizar que deve ser um ato voluntário e alegre. A doação forçada ou por coerção contradiz o espírito do Novo Testamento.
- Impacto Comunitário: A prática de compartilhar recursos, como na igreja primitiva, pode ter um impacto significativo na comunidade, promovendo a igualdade, atendendo às necessidades dos mais vulneráveis e refletindo o amor de Cristo.
B. O Papel da Igreja na Sociedade
1. Análise
- Missão da Igreja: A missão da igreja vai além da adoração e inclui servir a sociedade, ajudando os necessitados, promovendo a justiça e sendo uma luz no mundo. A administração dos recursos financeiros deve refletir essa missão.
- Administração Responsável: A igreja deve administrar os recursos financeiros de forma responsável, transparente e com integridade. Isso inclui prestar contas aos membros e garantir que as contribuições sejam usadas para os fins previstos, como missões, obras sociais e manutenção da igreja.
2. Ilustração
- Exemplos Positivos: Existem igrejas que utilizam os recursos de forma exemplar, financiando programas de alimentação, abrigos para sem-teto, clínicas médicas gratuitas e projetos educacionais. Essas ações demonstram a verdadeira essência do cristianismo em ação.
- Testemunhos de Transformação: Testemunhos de indivíduos e comunidades que foram impactados positivamente pelo uso responsável dos recursos da igreja servem como incentivo e exemplo a ser seguido por outras congregações.
3. Aplicação Prática
- Promover Transparência: As igrejas devem promover a transparência financeira, fornecendo relatórios regulares e detalhados sobre a arrecadação e o uso dos recursos. Isso aumenta a confiança dos membros e garante que os recursos sejam usados de forma ética.
- Investir em Obras Sociais: A administração dos recursos deve incluir um investimento significativo em obras sociais e missionárias, refletindo o compromisso da igreja com a justiça social e a assistência aos necessitados.
- Educação Financeira: As igrejas podem oferecer programas de educação financeira para ajudar os membros a administrar bem seus recursos pessoais e entender a importância da generosidade cristã.
CONCLUSÃO
O dízimo, uma prática profundamente enraizada na tradição religiosa, tem sua origem e contexto no Antigo Testamento, onde servia a propósitos específicos dentro da teocracia israelita. No Novo Testamento, vemos uma transição para uma abordagem mais centrada na generosidade voluntária e no amor ao próximo, refletindo os princípios da nova aliança em Cristo.
Reavaliando a Prática do Dízimo Hoje
Compreensão Histórica: É essencial que os cristãos entendam o contexto histórico e cultural do dízimo no Antigo Testamento, reconhecendo que suas práticas e objetivos eram específicos para aquela época e situação.
Desafios Atuais: Nas igrejas contemporâneas, a prática do dízimo tem sido frequentemente distorcida, especialmente com a influência da teologia da prosperidade, que coloca ênfase excessiva nas bênçãos materiais em troca de contribuições financeiras.
Contribuição Voluntária: Sob a nova aliança, a contribuição financeira deve ser feita com alegria e de forma voluntária, seguindo o espírito do Novo Testamento. A verdadeira generosidade cristã deve ser uma expressão de fé e amor, não uma obrigação imposta.
Papel da Igreja: As igrejas têm a responsabilidade de administrar os recursos com transparência e integridade, focando em atender às necessidades da comunidade e promovendo a justiça social. O uso responsável dos recursos pode ter um impacto significativo, refletindo o amor de Cristo em ação.
Chamado à Reflexão
Os líderes e membros de igrejas são chamados a refletir sobre suas práticas e motivações ao contribuir financeiramente. A ênfase deve estar na generosidade voluntária, no apoio aos necessitados e na promoção da justiça e misericórdia, conforme ensinado por Jesus e pelos apóstolos.
Ao reavaliar a prática do dízimo e focar em uma abordagem mais centrada no espírito do Novo Testamento, as igrejas podem verdadeiramente cumprir sua missão de ser uma luz no mundo, demonstrando o amor e a graça de Deus através de suas ações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia Sagrada.
- Levítico 27:30-32
- Números 18:21-24
- Deuteronômio 14:22-29
- Mateus 23:23
- Hebreus 7:1-10
- 2 Coríntios 9:6-7
- Atos 2:44-45
Literatura Complementar:
- Piper, John. Desiring God: Meditations of a Christian Hedonist. Multnomah Books, 2011.
- MacArthur, John. Whose Money Is It Anyway? A Biblical Guide to Using God's Wealth. Thomas Nelson, 2000.
- DeYoung, Kevin. The Hole in Our Holiness: Filling the Gap between Gospel Passion and the Pursuit of Godliness. Crossway, 2012.
- Keller, Timothy. Generous Justice: How God's Grace Makes Us Just. Penguin Books, 2012.
Artigos e Publicações:
- Harris, R. Laird. "The Tithe in the Old Testament." Bibliotheca Sacra, vol. 137, no. 545, 1980, pp. 1-12.
- Moo, Douglas J. "The Law of Christ as the Fulfillment of the Law of Moses: A Modified Lutheran View." Baker Academic, 1996.